terça-feira, 7 de agosto de 2012

Menino alado



Parece que foi ontem ,mas, tem um mês que a tua mãozinha pegou na minha e eu não fazia ideia de que seria aquela a última vez... A gente nunca sabe, não é mesmo, Rafa?! A gente nunca sabe, eu já havia aprendido essa lição com papai. Mas havia me esquecido e você se foi e me fez relembrar...
Se eu soubesse que era a última vez, teria segurado tua mãozinha mais tempo, mais forte, teria te escondido em algum canto, na minha bolsa, sei lá, pra não deixar a moça de preto te levar... Teria te colocado no colo e te enchido de beijos, a despeito do ciúme das outras crianças, teria te cantado uma canção alegre e bonita. Uma canção daquelas que te deixava todo agitado, com os dedinhos saltitantes, as mãozinhas inquietas, os olhinhos cintilando buscando descontrolados um colorido lindo que só teus olhos enxergavam...
Me lembro como se estivesses aqui do lado, parece que posso ouvir o teu riso ardidinho, os teus gritinhos de felicidade, o teu andar agitado pra todo lado, os teus dentinhos (de ratinho qui qui qui) expostos naquele teu sorriso debochado propositalmente forçado pra fazer graça, a tua mania de "brincar de sombra", o teu triiiiiiiiiiiiinnnnnnnnnnnta e trrrrrrrrrrrrrrrrêêêêêêis!
Ah! Meu anjinho travesso, me lembro daquele passeio ano passado, onde você me pediu pra abandonarmos o grupo e "dar uma volta, ali", do lado de fora do ônibus. E eu tive de te colocar no colo, fingir que brincava de cavalinho, te fazer cócegas, só pra te distrair até chegarmos ao nosso destino... A tua pergunta, "ganha mais o que?!", pro "fica quieto que você ganha mais" que a Lucy te disse...
A tua inquietação, a tua pressa, tudo aquilo que parecia patologia, talvez fosse só o ritmo acelerado de uma vida que precisava se consumar mais rápido que as demais, por não dispor do mesmo tempo que o usual... Você queria ver tudo e fugir de tudo e ir para outros mundos, tudo ao mesmo tempo. E jamais seria igual aos outros. Eu te entendo, menino alado. Eu te entendo, era tanto e tão pouco tempo...
Sei lá por que, mas você, o menino mais diferente da escola, aquele que "dava mais trabalho", sempre foi o meu predileto. Eu sei porquê, por que era você, autêntico, sem requintes, sem verniz. Você, assim, sendo o que era e só. E era muito, menino. Será que alguém te disse isso alguma vez?!
Tua imagem na minha cabeça é um misto de Pequeno Príncipe com Menino do dedo verde e umas pitadas de algo que não pertence a esse mundo, de tão original, de tão Rafa. Ai, eu queria pegar teu narizinho agora, te fazer uma careta, te falar uma frase sem sentido e a gente rir junto... Um minutinho de criança pra criança, eu e você, assim, sem distância nenhuma. Rolando no chão como você gostava. Rolando no chão e rindo. Queria ver as cores que você via. Hoje, quando eu soube que você partiu, um arco-íris dentro de mim desbotou um bocadinho. Talvez outro dia, quando a tristeza passar, ele fique mais vívido de novo, mas hoje ele está pálido...
Sabe a última vez em que você segurou minha mão com a sua mãozinha inquieta, me olhou com seus olhinhos amendoados e me disse "Eu gosto tanto de você, prrrrrrrrrrroooo!". Eu não te dei a resposta certa, docinho. Não era " eu também, meu amor, agora vá se sentar, Rafa. Vá arrumar suas coisas que é hora de ir pra casa..."
A resposta certa era: Eu também gosto demais de você, Rafa! Eu te amo. E onde quer que seja sua casa, não se esqueça disso, querido.
Eu não disse tudo, mas acho que você, do seu jeito já sabia.
Ah! Nada dói tanto quanto aquilo que deixamos de fazer, o carinho que deixamos de dar, o sorriso que ficou enroscado na boca e não desabrochou por causa de um instante de mau humor... Os pequenos gestos, as frases curtas, mas cheias de significado... A ausência das pessoas dói mais quando não expressamos o que sentimos, e é isso o que faz a vida valer. Eu não vou me esquecer mais, Rafa. Não vou não. Você me ensinou direitinho, querido. Vai em paz, meu professor criança. Brilha com o sol, que quando as lágrimas secarem, teu brilho vai refletir no meu arco-íris outra vez.

4 comentários:

De Marchi ॐ disse...

Lindo, Mony. Lindo.
Obrigado por transformar um momento tão triste em poesia.
E por não perder o senso de que não existe amanhã, só uma sucessão de presentes. :)

De Marchi ॐ disse...

Lindo, Mony. Lindo.
Obrigado por transformar um momento tão triste em poesia. E por lembrar que não existe amanhã, só uma sucessão de presentes. :)

Miragens Telúricas disse...

Não sei o que aconteceu, querida Mony, no entanto teu texto me emocionou.. Se é real, se foi um aluno teu que disse adeus para esse injusto mundo, só posso te dizer que sinto por mais esse baque da vida. E te lembrar que as palavras são dispensáveis se o sentimento. Tudo que não foi dito ao pequeno Rafa, foi sentido por ele. Até porque crianças são muito melhores que nós na arte de amar e saberem ser amadas.

웃 Mony 웃 disse...

É real, Teyla, minha linda. Infelizmente é real...
Um aluninho de cinco anos que teve uma sucessão de complicações por conta de medicamentos e não resistiu.
Quando ele faleceu eu estava afastada, com conjuntivite e só tomei conhecimento ontem, nove dias depois. :(
Tenho muito carinho por todos, mas alguns acabam me cativando mais. E Rafa era meu preferido entre todos.
Fica a tristeza em não vê-lo escrever as primeira palavras, não ter a chance de vê-lo tornar-se rapaz, todo um vir a ser que nunca será...
Mas guardo com carinho e vão ficar sempre vivas na memória as lembranças, os momentos, as brincadeiras e o sorrisinho dele. Engraçado, penso nele e a imagem daquele sorriso se forma nitidamente e me faz sorrir. Isso me deixa em paz... :D