quarta-feira, 21 de maio de 2008

Afinal, quem é o irracional?!


Ando muito a pé, e com isso tenho observado a crescente população de cães de rua, os que fugiram, se perderam, mas, sobretudo, aqueles que foram abandonados...
É muito triste. E cada vez há mais.
Perdi a conta de quantas vezes dei comida aos que apareciam na porta da minha casa, ou que me seguiam até lá. Fico de coração partido com a situação. Aqueles corpinhos magrelos, judiados pela fome, aqueles olhinhos pidões, que não querem só alimento e abrigo, mas que estão vorazes por carinho, atenção, companhia. Resisto porque já tenho três mocinhas no meu quintal...
Fico pensando como alguém é capaz de jogar seu amigo na rua, só porque ficou velho ou está doente. Sim, pq esses são os mais frequentemente abandonados. Ou, simplesmente porque se enjoou. É muita crueldade, num momento de fragilidade daquele que foi seu companheiro, simplesmente deixá-lo à mercê da sorte.
Felizmente há pessoas que não agem assim, têm seu amigo como membro da família e lutam por ele, e lhe dão vida digna. Conheço uma família assim, que virou mundo pra encontrar uma cadelinha fujona, e encontrou, quando já não havia mais esperanças, num golpe de sorte. Que lutou pra salvar dois cães queridos da cinomose. Conseguiu salvar um, e manter outros quatro saudáveis. E que se desolou pela perda do que não resistiu à doença. Eles ainda estão tristes, mas, que têm todos os motivos do mundo pra saberem que fizeram todo o possível e mais, porque gastaram mais do que poderiam, sem pestanejar, pelo bem estar deles. Denis, tenho muito orgulho de você e sua família!
Mas hoje eu não vim pra contar histórias assim, conheço outras pessoas e famílias com esse comprometimento e essa satisfação em doar-se, que sabem amar cães, gatos e outros animais.
Mas hoje vim falar em nome dos esquecidos, dos abandonados, daqueles que vivem na indignidade, dos que morreram e dos que morrerão no descaso. Vejo deles todos os dias e todos os dias me entristeço, mas hoje fiquei ainda mais chocada com o que vi no programa da Oprah.
Lisa Ling Investiga Fábricas de Filhotes (Episódio 871), sim, fábrica de filhotes. A gente ouve esse termo e se espanta. Como assim, fábrica de filhotes?!
É, fêmeas confinadas em gaiolas para coelhos, que nunca saíram dali, que nunca foram a um veterinário, e NUNCA receberam um banho durante toda sua vida! Fêmeas que vivem de oito a dez anos unica e exclusivamente para parir. Elas parem "artigos comerciais" que permanecem ali com elas por 8 semanas. O espaço é tão pequeno que para se movimentar que a mãe pisa nos filhotes. Mas eles saem dali após esse período. Elas não, ficam lá por toda a eternidade que deve parecer até para um ser sem noção temporal, a vida, se é que se pode chamar de vida o que elas têm...
Imagine o que é ficar numa gaiola para coelhos?! E não raro, raças de médio porte vivem em gaiolas do mesmo ínfimo tamanho, moradas de toda uma vida, ao menos a vida produtiva delas...
Sim, porque elas podem sair de lá, caso um abrigo as venha buscar em poucas horas, ou serão sacrificadas. Sacrifício ou bênção, uma vez que são descartadas doentes, com tumores nas mamas por tanto amamentarem, cegas?! É enojante. Elas têm sua garganta comprimida pela corrente que nem se vê em meio aos pelos que crescem sobre ela, corrente recebida quando ainda eram filhotes, que sufocam sua voz. Elas não latem, nem esse direito têm. As que saem de lá passam por um período longo de adaptação, algo entre quatro semanas só para perderem o medo de gente, para se acostumarem a receber carinho, a aprender coisas elementares como andar em solo firme, pq elas simplesmente não sabem, o pouco que se movimentavam era sobre o arame de suas gaiolas.
Como é que se sabe que um cão tão maltratado se adaptou? Pasme! Quando ele começa a abanar o rabo. Pois é, aquilo que a gente julga ser o gesto mais comum em um cão, esses nunca tiveram a oportunidade antes. O rabo é o "termômetro" do cachorro, se ele não o abana é porque está doente ou infeliz. Que dizer então?!
Machos há, mas são poucos, basta um de cada raça para cobrir várias fêmeas. Filhotes, ficam poucos, só os que substituirão os reprodutores e matrizes.
É a realidade mais triste que já vi.
E as pessoas que mantém esses "criadouros" ("puppy mills"), que mais se parecem com matadouros, que sentem?!
Nada! Esses cães são produtos, mercadorias, como abóboras ou espigas de milho. Absurdo!
Onde ficam esses infernos caninos? Nos EUA ficam em sua maioria na Pensilvânia, Condado de Lancaster, região rural onde essa prática é um ganho extra da economia agrária. Essa região têm uma concentração muito grande do povo amishe. Não tenho nada contra povo algum, mas essa parte da "cultura" deles que trata animais como seres menores, que devem ser dominados pelo homem, isso me incomoda sim. Eu como carne, isso não quer dizer que concorde com tratamento indigno, cruel a animais, sejam de transporte, que nos alimentam ou os de guarda e companhia, e, acima de tudo, de estimação. E o pior é que lá essa prática não é ilegal. Há quem busque por legislação que regulamente e acabe com essa situação, mas, enquanto não houver, o absurdo continua...
Há outra face triste da realidade do abandono de animais que também fora exibida no programa, a dos abrigos superlotados, dos animais sacrificados inclusive para a manutenção do espaço
para a chegada de outros animais saudáveis. Um abrigo que abriu as portas para mostrar essa realidade, apresentou dados de cerca de 40 sacrifícios de animais por dia. O critério é doença terminal, doença contagiosa, ferocidade e dificuldade de sociabilização, deficiência devido à idade ou não, idade (fator que dificulta na adoção) e, na ausência desses, critérios pessoais. Os funcionários se entristecem, mas, é o trabalho deles... Trabalho é que não falta, afinal, lá, todos os anos são abandonados 4 milhões de cães e gatos. Não tenho dados nacionais, mas, somente a SUIPA no Estado do Rio de Janeiro, recebe 50 cães abandonados POR DIA. É um número muito grande!
De tudo isso que vi, sei que muito há no Brasil também. Tomara as "fábricas de filhotes" não. Aqui ao menos há legislação competente quanto a mal trato para com animais. Se é plenamente executada, não posso dizer, tomara sim. Sei também que os abrigos centros de zoonoses e abrigos municipais, vulgo "carrocinha" têm um limite de espaço físico para a manutenção de animais lá. E quando criança, ouvi muitas histórias de que cão perdido "virava sabão". Sabão não, porém, não garanto que não sejam sacrificados também... Os repudiados CCZs, cuja existência é alvo de muitos protestos.
Felizmente, temos a UIPA, a SUIPA e tantas outras entidades, abrigos e ONGs que cuidam de animais abandonados e os ajudam a encontrar um lar. Torço muito pelo sucesso delas. Que elas tenham todo o suporte de que necessitam até que o ser humano tenha senso e não abandone seu melhor amigo! Sou pela posse responsável.
Depois de toda essa conversa, não vale encerrar o assunto sem dar ao menos uma idéia do que pode ser feito, então, bóra lá. Antes de tudo, ter consciência de que um cão ou gato vive pelo menos oito anos, se não quer uma companhia tão duradoura, escolha um peixe, (pássaros engaiolados jamais )ou escolha não ter animal de estimação. Caso este não seja um problema, passemos ao passo seguinte, pense no tempo que tem para dedicar ao animalzinho. Caso seja pouco, opte por ter dois, ao menos um faz companhia ao outro, a vida dele não fica monótona. Ou, existe sempre a opção de não adotar. Outra consideração importante antes de escolher o perfil de seu animal é o espaço que ele terá, ele precisa de espaço parar correr, brincar, andar.
Tendo ponderado sobre isso, antes da adoção é necessário ter informações da procedência do animal, principalmente se comprado em pet shop. Pra que não se estimule essa produção cruel de filhotes. Procure comprar somente de produtores responsáveis que ofereçam condições dignas de vida às suas matrizes. E que as comprovem. Visite o local.
Há ainda uma opção muito melhor, adotar animais que encontram-se em abrigos e instituições. De 1/3 a 50% dos animais são de raças puras e os que não são, os SRD (sem raça definida), popularmente chamados de "vira-latas" também têm seu charme, são ótimas companhias, muito resistentes a doenças e capazes de nos enchererem de alegria. Através desse gesto diminuimos a demanda dos "maus produtores", diminuimos a quantidades de cães de rua e ainda ganhamos a gratidão e o carinho de um ser que merece ser amado e respeitado. Aí é só se lembrar das vacinas, vermífugos e aproveitar dessa excelente companhia.
Ah! Existe um passo importante depois da adoção, castar o animal após completos 6 meses, caso não queira filhotes. É um procedimento simples, não doloroso e que diminui em muito os riscos de doenças tumorais. E evita supresas. Sim, pq machos pulam portão e fazem outras estrepolias quando encontram fêmeas no cio. E isso nem é necessário, basta que a fêmea escape por alguns minutos, e pode voltar com filhotinhos... E se se perdem por aí? Esse cuidado ajuda a evitar a propagação de cães pelas ruas.
O mesmo vale pras que já tiveram os desejados filhotes. E antes disso, já há o recurso da injeção contraceptiva.
Posse responsável, sempre!
Curta seus amigos animais, sejam eles quais forem, carinho não faz distinção de raça, sexo, idade. Carinho só faz bem ao coração.



Pra quem quiser saber mais:

Oprah.com

Chamada

Puppy mills

I'm alive

Todas as informações estão em inglês. (Se alguém quiser traduzir, esteja à vontade. Ajudo a divulgar. O assunto merece atenção.)

Leis Brasileiras de Proteção aos Animais

2 comentários:

Eu disse...

Deixo aqui o meu testemunho a favor dos SRD, famosos vira-latas. São doces, queridos, resistentes e, se bem tratados com boa ração e cuidados gerais, são lindos também!

Entendo que o desenvolvimento de algumas raças, principalmente de cães, tenha tido importância fundamental no presente e no passado, com a criação de animais resistentes ou particularmente aptos a determinadas tarefas. No mais, apesar de achar algumas raças de cães e gatos muito bonitinhas ou até mesmo lindas (enquanto algumas me são quase insuportáveis, mas é uma minoria), confesso que a idéia da seleção, o dinheiro que se gasta com isso e, perdão aos que gostam e se dedicam, mas a futilidade da coisa toda, me incomodam muito. Enquanto os bichos não sofrem com isso, tudo bem, mas algumas raças acabam extremamente fragilizadas. Nenhum certificado em papel vai me dar o que o bichinho em si é capaz, em toda a sua simplicidade.

Acho que todas as tuas considerações sobre adoção são bem colocadas, Mony. No meu caso, meus dois gatos mais velhos foram adotados juntos (são irmãos) justamente porque iriam ficar grande parte do tempo sozinhos. Uma vez que hoje eles têm 13 anos e são saudáveis (o problema no olho do Spock foi fruto de pura arte dos felinos), acredito que a estratégia tenha funcionado. A obesidade mórbida do gorducho amarelo, terceiro e mais jovem membro da família, com quase 9 anos hoje, já é outra história, que tem um fundo genético além da preguiça garfieldiana pra complicar. :P

Enfim, como tudo nessa humanidade, o tratamento de animais depende do nosso grau de consciência, e o primeiro passo para a consciência é saber o que acontece ao nosso redor. Depois com calma eu vou ver os links, Mony. Desconfio que se forem na linha daquele vídeo sobre tratamento de animais que rolou na comuna tempos atrás, é algo que eu preciso de um pouco de preparo pra encarar...

Beijão! E que bom continuar te lendo! ;)

Karin

De Marchi ॐ disse...

Mony, obrigado. :)

Alguns comentários:
Se ainda há quem faça o mesmo com gente, que dirá aos animais. Consideram que o povo é formado por seres inferiores que estão aí para servi-los - de banqueiros à senhoras que obrigam empregadas a entrarem pelo elevador dos fundos. Pense agora numa civilização calcada na idéia de que um deus estúpido de antigos nômades do deserto fez o mundo inteiro para servir ao homem e você vai perceber, com nojo, como isso desemboca no utilitarismo e coisificação, de homens a animais.
Não há consciência a ser aprendida pelo sermão, pela 'conscientização'. Não acredito nisso. Sentir a importância do outro e ter o desejo de amá-lo envolve sentimento, emoção, coisas que não se ensina. Francamente, pra mim 70% da humanidade vale menos que um cão sarnento e, se pudesse, eu não hesitaria em sacrificá-los num momento de mau humor (e ainda seria ecologicamente correto!). Ainda assim, não posso fazê-lo, porque é imoral, antiético e ilícito. Pois bem, então por que diabos não estendem as leis, punições e proteções que ávidamente criamos entre nós mesmos ao resto dos seres? Por que não é crime um puto prender alguém na gaiola?

Pois é. Mesmo amando meus animais, já acho um puta egoísmo da minha parte tê-los num ambiente que em nada se parece com a selva original onde cresciam e se reproduziam, apenas pelo meu prazer. Tento deixá-los em grupo, dentro de suas hierarquias e de sua própria natureza, sem treinamentos nem humanizações (odeio essa mania de gente que cria cachorro como criança - bicho é bicho). Por isso me espanta que justamente eu seja considerado um bom "dono", mais um sinal de que as coisas à nossa volta andam mesmo péssimas pro lado dos bichos.

Pode ser clichê, mas vale lembrar: Da Vinci já dizia que o dia em que soubermos tratar os animais como nossos iguais, só aí nossa esperança em nós mesmos fará sentido.
500 anos depois, concordo em gênero e número.